sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Outra maneira de escrever...

"...quando saiu de casa aquela morena não sabia que havia um olhar, que escondido dentro de um desejo de posse a queria mais que tudo. Teria de ser hoje...onde? não se sabia..mas seria naquele dia!
Como pressentimento, a morena não fez o mesmo percurso que fazia. Visitou pessoas que antes não visitara. Deixou-se acompanhar por pessoas que nunca antes a acompanharam. Cumprimentou quem antes não cumprimentara. Em todas as suas acções o olhar a perseguia atentamente..e cada vez mais a desejava. Pelo seu sorriso...pelo seu mover de ancas...pela sua mexida no cabelo...pelo seu contacto pessoal e único com as pessoas. Sem a ter perto o olhar sentia como que cada abraço que dava era nele...cada sorriso era para si...cada toque o estremecia...
Pensou então para si: "...assim que estiver sozinha, irei agarra-la!...será minha...nem que seja ao olhar-me!!"
Uns metros mais adiante, a morena ficou sozinha, ajeitou o cabelo, puxou a mala ao ombro e de repente sentiu um puxão no braço. Olhou repentinamente e viu um carro acelerado que ia atropela-la não fosse o puxão. Olhou para ver quem a puxara...não viu ninguém! Impossível! Sentiu um puxão.
Confusa caminhou mais atenta e devagar pela rua. Virou a esquina e o Largo do jardim era seu...apenas seu. Não se encontrava ninguém. Pensando em como era estranho, caminhou devagar olhando o céu...as árvores...o sol...
Chegou perto de um banco e sentou-se. olhando em frente viu uma silhueta. Não distinguia ser homem ou mulher. Pensou em cumprimentar, dizendo olá...um olá...começo de uma amizade e muito mais!
Levantou-se e dirigiu-se para a silhueta. Os raios de sol encandeavam e tinha dificuldade em ver realmente de que se tratava. Quanto mais se aproximava menos via...até que...conseguiu ver.
Um homem cego com uma bengala!
Arrepiou se! Mas, não querendo passar nenhuma impressão disse o olá! O homem que caminhava muito lentamente parou...e a morena passou-lhe ao lado. O homem cego virou-se e caminhou atrás dela que seguia pelo caminho que tinha vindo. Ambos caminhavam devagar. A morena sentiu o homem cego atrás de si e olhando para trás, para olhá-lo mais uma vez sentiu um puxão no braço e ao mesmo tempo o passar de uma bicicleta. O mesmo puxão...o mesmo olhar...a mesma protecção!
-Obrigado!
-Olá!
Apenas um olhar...e apenas o sorrir....
Rosália Dias
"outra maneira de escrever"

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Uma promessa

Eu prometi-te um beijo!
eu prometi-te um sorriso!
dei-te um abraço com desejo,
e um olhar comprometido!

Ao abraçar-te prometi voltar,
e quando voltei, pensei fugir.
Prometi...voltei para te beijar,
e quando te beijei comecei a sorrir!

Dentro de um abraço teu,
prometi voltar e voltei.
dei-te um beijo que era meu,
sorri, mas depois chorei!

Entre o que é meu e teu,
fica o abraço e o beijo.
Fica o que não se prometeu...
O sorriso cada vez que te vejo!!

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Outra maneira de escrever...

Tanta vez acordei sobressaltada, tanta vez acordei ofegante, tanta vez acordei serena mas o pensamento era sempre o mesmo. A carinha redonda, pequenina, macia, branquinha e tão parecida com a minha que parecia que “fossava” no meu peito… sonhos ou pesadelos, sabe lá!Era impossível ter um filho, pois não tinha a parte masculina que é essencial para se dar a reprodução. Ou seja, de maneira mais “minha”, não tinha um marido, um namorado, um amante… O relógio biológico estava provavelmente avariado, pois o desejo de tal era enorme…e já fazia três meses que me sentia mal…e perdera peso e não dormia. Resolvi consultar o médico de família. Depois de alguns risos, os quais não gostei, a opinião do médico foi descartar-me, simplesmente.-Vais fazer umas análises!Fiz as análises e duas semanas depois fui chamada para uma visita inesperada ao médico de família. Confesso que ia ansiosa, não estava á espera de ser chamada. Mas, pensei que o médico tinha visto as análises e queria dizer-me o resultado e fui nessa ansiedade saber. Quando entrei na sala o médico estava com os papéis na mão e com um semblante estranho. Olhou-me, mandou-me sentar e nem me apertou a mão como é hábito.-Que se passa doutor? Estou assustada já!-Muito bem Eva, vamos lá falar a sério. Peço desculpa por não estar a tratar … com mais atenção… a tua… bem a verdade é que quando vieste fazer consulta há duas semanas atrás, eu não dei muita importância. Mandei-te fazer análises e ainda bem. Eva, vou ser direto, vou ser frontal e vou estar a 100% aqui para ti.-Importa-se de me explicar o que se passa? Qual o resultado das análises?-Estás grávida e estás hemofílica.Gelei, suei, corei e deu um sorriso. -Estou grávida? Estou Hemofílica?-Eu explico. Tens oito semanas de gravidez, mas tens uma deficiência, digamos no que respeita á coagulação do sangue. Tens tido hemorragias? Ou algo parecido?-Eu não posso estar grávida! Não tive faltas na menstruação, como é possível? E hemofilia?-Sim. Provavelmente não foi menstruação, mas hemorragias. Hemofilia é uma doença hereditária, transmitida da mãe para o filho, Basicamente é um defeito na coagulação do sangue. Qualquer ferida, mesmo a mais pequena, pode provocar-lhes uma grave hemorragia. Actualmente, Eva a maioria dos casos de hemofilia podem ser controlados de maneira eficaz, graças à transfusão de factores de coagulação extraídos do próprio sangue humano, mas estás grávida e temos que pensar muito bem o que fazer.A conversa foi longa mas esclarecedora. Juntei lembranças, memória e havia a possibilidade de gravidez…mas a doença. Não contava com isso! Estava sozinha….e com muito medo! Os meus dias a partir daquele foram totalmente diferentes. Comecei a viver. O mais pequeno pormenor me dava gozo. A mais pequena ação me deliciava. Sentia tudo a mil…o tempo passava e a palidez…o cansaço…as vontades…os desejos…o medo…a minha vida. Tudo era cada vez mais incerto. Teria o meu filho? Ficaríamos os dois doentes? Ficaria eu doente e como trataria do meu filho? Comecei a entrar em estado de ansiedade, nervos, descontrole….Aos 7 meses de gravidez estava internada. Numa manhã quente de Junho recebi uma visita que não esperava. Henrique Mendonça, o possível e único pai do meu filho, Pedro. Aceitei que me visitasse, aceitei que assumisse o filho, aceitei que mostrasse o que sentia. O pessoal médico não podia tirar-me o bebé, pois não estava totalmente formado e eu não podia receber o tratamento certo, as transfusões, porque estava grávida. Teria que esperar o tempo certo. Ficaríamos em observação.Passámos então 2 meses em contato diário. Eva, Henrique e Pedro. Dois meses. Em meados Agosto todos os sorrisos, todos os toques, todos os comentários, todos os olhares, até os planos breves que tínhamos feito foram finalizados. Eram dez e meia da manhã do dia 12 de Agosto quando Henrique recebeu o telefonema para se apresentar no Hospital.-Faça a última despedida, por favor!Qual despedida? Não tivera tempo…Meu Deus! Que vida entrelaçada noutra vida, agora perdida e tão pouco vivida. Henrique apenas caiu de joelhos no chão e chorou copiosamente….

Rosália Dias“Outra maneira de escrever”

Outra maneira de escrever...

Gostei muito da forma como me cumprimentaste. Estavas bem disposta, parecias feliz. A felicidade é isso mesmo, cada dia a cada minuto, a cada segundo conseguires sorrir...e eu gostei!
Durante algumas semanas a tua atitude manteve-se...
Houve um dia em que não disseste nada. Olhaste me e não disseste nada! Eu sorri como era habitual e disse o bom dia normal. Tu não reagiste...
Quatro anos passaram e o teu sorriso nunca mais apareceu...
O contacto que tínhamos era o bem disposto bom dia...agora não tínhamos nada...
Mas porque não podia acontecer o bem disposto bom dia?
O que tinhas tu? O que te fiz eu?
Na manhã mais cinzenta da semana lá ia eu esperar a tua passagem tristonha, tal como o dia, cinzenta...escura. E que triste eu ficava. Mas, não!
-Bom dia Gustavo! Como estás?
Não respondi...não fui capaz. O som doce da tua voz, o teu sorriso resplandecente, a tua boa disposição deixaram me sem palavras.
-Bom trabalho!
Acenei a cabeça somente. Muita confusão...muita alegria...muita agitação mental...
E agora? Que devo fazer? Voltamos ao normal?
Por vezes na vida acontecem nos percalços que nos obrigam a ser… a agir diferente. Mas, até que ponto as pessoas de que gostamos têm culpa?
Eu iria esperar o quê dela? 
Esperei até à manhã seguinte...
-Bom dia! Queres beber um cafezinho?
As palavras saíram-me...
-Bom dia, claro!
O café foi o mais saboroso que tomei. Estavas linda com uma blusa creme...a conversa foi franca, directa e esclareceu-me. Estiveste doente e o tratamento durou 4 anos...o cancro que te diagnosticado foi removido com êxito. Estavas agora a voltar a ser tu. Eu estava contente por estares bem, mas não entendi porque razão não continuamos a falar. A culpa era minha? 
E se o cancro voltasse? Ficaria novamente sem me falar? Que culpa tenho eu?
Não foi praga, não foi o destino, não foi má sorte....O cancro voltou!
Todos os dias ia contigo fazer a quimioterapia. Todos os dias sorrias...todos os dias falavas comigo, todos os dias te beijei, todos dias te abracei, todos os dias chorei... longe de ti! Longe de ti fiquei...mas cada dia em que te lembrava... SORRIA! E CHORAVA! E SORRIA...
"Outra maneira de escrever"

Outra maneira de escrever...





O pano foi corrido e todos olhavam para o palco, embora eu nada vi...a luz intensa do holofote estava direccionada para mim...eu tinha que falar! Treinara 2 meses e agora nada me saía....
Que o ar me volte aos pulmões…pensava eu aflita!
Fechei os olhos e quando os abri, a luz do holofote fraquejou e focou apenas um lugar na plateia. Alguém me sorria..
Reconheci o sorriso...o olhar e a posição das mãos sobre o colo…
Aos poucos comecei a "aquecer" e tudo o que ensaiara começava a voltar me à memória.
O poema que recitei:
Oh! Que dor sinto em meu peito…
Oh! Que agonia por não saber nada de ti…
Violentamente estou sem jeito…
Oh! Perdida...para onde fugi?
Os primeiros aplausos surgiram e um sentimento agradável fez com que o resto da actuação fosse normal...
O pano foi corrido novamente e em frente ao espelho do camarim esperava que viesses dar-me os parabéns!
Despi-me, vesti-me, limpei as pinturas e recebi um ramo de flores da Professora...nada teu.
Passaram 6 meses e nada mais soube de ti...
Novo elenco…novo palco... o pano foi corrido.
Olhei... olhava... e não te vi...
consegui ser "quase perfeita", eram os elogios que recebia. Mas, não estava satisfeita. Não tinha sentido arrepios... esquecimento... nada!
Fui para o camarim e um ramo de rosas esperava por mim, sorridentes...e um bilhete dizia:
"ADOREI TE! ESTOU À TUA ESPERA NO NOSSO LOCAL"
Tremi… transpirei... arfei… suspirei...
O pano do meu teatro de vida fora corrido de felicidade...
"outra maneira de escrever"