terça-feira, 6 de outubro de 2015

Outra maneira de escrever...

Tanta vez acordei sobressaltada, tanta vez acordei ofegante, tanta vez acordei serena mas o pensamento era sempre o mesmo. A carinha redonda, pequenina, macia, branquinha e tão parecida com a minha que parecia que “fossava” no meu peito… sonhos ou pesadelos, sabe lá!Era impossível ter um filho, pois não tinha a parte masculina que é essencial para se dar a reprodução. Ou seja, de maneira mais “minha”, não tinha um marido, um namorado, um amante… O relógio biológico estava provavelmente avariado, pois o desejo de tal era enorme…e já fazia três meses que me sentia mal…e perdera peso e não dormia. Resolvi consultar o médico de família. Depois de alguns risos, os quais não gostei, a opinião do médico foi descartar-me, simplesmente.-Vais fazer umas análises!Fiz as análises e duas semanas depois fui chamada para uma visita inesperada ao médico de família. Confesso que ia ansiosa, não estava á espera de ser chamada. Mas, pensei que o médico tinha visto as análises e queria dizer-me o resultado e fui nessa ansiedade saber. Quando entrei na sala o médico estava com os papéis na mão e com um semblante estranho. Olhou-me, mandou-me sentar e nem me apertou a mão como é hábito.-Que se passa doutor? Estou assustada já!-Muito bem Eva, vamos lá falar a sério. Peço desculpa por não estar a tratar … com mais atenção… a tua… bem a verdade é que quando vieste fazer consulta há duas semanas atrás, eu não dei muita importância. Mandei-te fazer análises e ainda bem. Eva, vou ser direto, vou ser frontal e vou estar a 100% aqui para ti.-Importa-se de me explicar o que se passa? Qual o resultado das análises?-Estás grávida e estás hemofílica.Gelei, suei, corei e deu um sorriso. -Estou grávida? Estou Hemofílica?-Eu explico. Tens oito semanas de gravidez, mas tens uma deficiência, digamos no que respeita á coagulação do sangue. Tens tido hemorragias? Ou algo parecido?-Eu não posso estar grávida! Não tive faltas na menstruação, como é possível? E hemofilia?-Sim. Provavelmente não foi menstruação, mas hemorragias. Hemofilia é uma doença hereditária, transmitida da mãe para o filho, Basicamente é um defeito na coagulação do sangue. Qualquer ferida, mesmo a mais pequena, pode provocar-lhes uma grave hemorragia. Actualmente, Eva a maioria dos casos de hemofilia podem ser controlados de maneira eficaz, graças à transfusão de factores de coagulação extraídos do próprio sangue humano, mas estás grávida e temos que pensar muito bem o que fazer.A conversa foi longa mas esclarecedora. Juntei lembranças, memória e havia a possibilidade de gravidez…mas a doença. Não contava com isso! Estava sozinha….e com muito medo! Os meus dias a partir daquele foram totalmente diferentes. Comecei a viver. O mais pequeno pormenor me dava gozo. A mais pequena ação me deliciava. Sentia tudo a mil…o tempo passava e a palidez…o cansaço…as vontades…os desejos…o medo…a minha vida. Tudo era cada vez mais incerto. Teria o meu filho? Ficaríamos os dois doentes? Ficaria eu doente e como trataria do meu filho? Comecei a entrar em estado de ansiedade, nervos, descontrole….Aos 7 meses de gravidez estava internada. Numa manhã quente de Junho recebi uma visita que não esperava. Henrique Mendonça, o possível e único pai do meu filho, Pedro. Aceitei que me visitasse, aceitei que assumisse o filho, aceitei que mostrasse o que sentia. O pessoal médico não podia tirar-me o bebé, pois não estava totalmente formado e eu não podia receber o tratamento certo, as transfusões, porque estava grávida. Teria que esperar o tempo certo. Ficaríamos em observação.Passámos então 2 meses em contato diário. Eva, Henrique e Pedro. Dois meses. Em meados Agosto todos os sorrisos, todos os toques, todos os comentários, todos os olhares, até os planos breves que tínhamos feito foram finalizados. Eram dez e meia da manhã do dia 12 de Agosto quando Henrique recebeu o telefonema para se apresentar no Hospital.-Faça a última despedida, por favor!Qual despedida? Não tivera tempo…Meu Deus! Que vida entrelaçada noutra vida, agora perdida e tão pouco vivida. Henrique apenas caiu de joelhos no chão e chorou copiosamente….

Rosália Dias“Outra maneira de escrever”

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